terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Desentalando

Ela passou por um momento super difícil na vida, daqueles que mudam tudo, transfiguram a forma como a gente encara as coisas. Perdeu o prumo, o rumo, o norte, a mão de pulso firme, o colo acolhedor, o ouvido preferido e os mais sábios conselhos. Perdeu muito num momento em que todo mundo tá começando a ganhar, num momento crucial na vida, num momento em que as pessoas começam a traçar o futuro. Numa sociedade solidária como a nossa, houve muito amparo naquele momento de dor. Gente cuidando, gente ajudando, gente marcando presença. Passado algum tempo, ficaram os que iriam ficar e alguns destes se comprometeram em ajudar de maneira contínua e ininterrupta.

Essa ajuda, que veio como bálsamo num momento de extrema necessidade, se transformou em meio de vida. Era mais fácil ganhar ou receber em doação que trabalhar, que comprar, que dar um jeito de ter. Ela treinou bem e cumpre diuturnamente com perfeição o papel de coitadinha que precisa sempre da solidariedade e da compreensão alheia. Todo mundo tem de entender que ela "amadureceu" muito com aquela perda e que ela não tem recursos nem pra quem correr. E, dessa forma, justificando todas as atitudes na perda por que passou, ela foi vivendo escorada na boa vontade alheia.

Foi assim sempre. O papel lhe rende bem e faz com que possa contar sempre com a ajuda dos outros para quase tudo. É uma vida de incertezas, por certo. Nem sempre os compromissos são cumpridos no tempo e no prazo, é claro. Todavia, quando se cumpre o papel que lhe cabe na cena, o retorno é garantido. O tempo passou e lá se vão quase dez anos daquele fatídico momento que mudou o rumo dela. Só que agora um acontecimento inteiramente novo veio transformar-lhe a vida.

Porém, as circunstâncias não são as melhores. Há uma confusão ao redor da transformação imprevisível e surpreendente e avassaladora. Passado o susto e conformada com o que é sem jeito; em vez de tomar as rédeas da situação, em vez de aproveitar o ensejo para se tornar enfim dona da própria vida, em vez de se transformar na mulher que deve ser, na adulta que assume suas responsabilidades, o que ela fez foi, mais uma vez, cumprir o papel. Em torno deste, há uma série de outros tangenciais e não menos dignos de dó. Mais uma vez ela contou com o suporte das pessoas ao redor (inclusive eu), que sem pestanejar demonstraram que são verdadeiros amigos e pessoas com quem ela pode contar sempre.

O que me exaspera é que, muito tempo depois da primeira reviravolta, o comportamento é exatamente o mesmo. Agora não se tem mais uma adolescente perdida, a gente está de frente pra uma mulher que se recusa a se tornar adulta, que insiste em encenar esse papel porque mais confortável, porque mais fácil, porque é o que ela cresceu fazendo. O que me transtorna é ver algumas pessoas passando a mão na cabeça no momento em que é preciso de uma chacoalhada. Não dá mais pra permanecer coadunando com o pensamento distorcido de que o mundo lhe deve ser mais dócil. Não dá mais para ir fechando os buracos antes dela pisar no chão.

A vida não é fácil pra ninguém e, muitas vezes (muitas mesmo!), ela vai exigir muito mais força, muito mais vontade, muito mais garra do que se supõe ter. A vida coloca desafios aparentemente intransponíveis na nossa frente e, podemos contar com ombros amigos, mãos solidárias e carinho, sim (é claro!), o que não se pode é querer que os outros passem por isso e enfrentem as circunstâncias pela gente. A responsabilidade por nossos atos é individual, personalíssima, exclusiva, indisponível. A responsabilidade é um ônus intuitu personae. E, se estamos diante de uma mulher adulta, em pleno gozo de suas faculdades mentais, com capacidade laborativa, não há mais nada que justifique o escoramento.

Sinto dizer que é chegada a hora de crescer, querida. Sinto dizer que é o momento de correr atrás de seu lugar no mundo, do seu meio de sobrevivência, do seu lugar ao sol. É preciso coragem e muita força indubitavelmente. É preciso equilíbrio psicológico e determinação. Simplesmente não dá mais pra ficar brincando de casinha, nem ficar contando com quem ficou de vir e já se foi. Não dá para pedir aos outros que cuidem do que você, somente você, tem de cuidar. Para as adversidades, você tem amigos que ajudarão, sem sombra de dúvida. Mas para o que é ordinário, é com você mesma. E é só.

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