sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Tempo, tempo, tempo, tempo, és um dos deuses mais lindos

Há dois anos, a vida que eu escolhi viver se estraçalhou numa curva do caminho. Tudo que havia de terra firme sob meus pés se esvaiu como enxurrada montanha abaixo; tudo que havia de sonhos nas minhas nuvens se desfez como gelo em panela quente; tudo que havia de azul no meu céu virou cinza. Como se, de repente, se carregasse o peso do mundo inteiro nas costas. Como se, de repente, viver não tivesse mais sentido algum. Como se tudo que houvesse de bom, de razão para ser feliz, de alegria, de promessa e de esperança deixasse de existir e a própria alma se quebrasse em infinitos pedaços minúsculos para os quais se olha com desespero e pena. Como se sorrir fosse enfiar agulhas sob as unhas, como se respirar fosse estaca no peito, como se viver fosse apenas existir e continuar.

No dia em que eu desabei no chão e desaguei em lágrimas tudo que eu era, em que eu perdi a força que me mantinha de pé, em que eu achei que minha vida nem valesse mais a pena, em que eu cheguei ao ponto mais fundo do fundo do poço mais fundo, em que eu saí de mim numa catatonia agonizante e em dores insuportáveis, foi então que eu descobri um triz de fortaleza por aqui. Um risco ínfimo, um traço mínimo, um balão que impediu o naufrágio de tudo que havia de mim em mim. Eu me agarrei a isso, ao resquício de fé, aos sorrisos persistentes em meio ao pior momento de duas crianças órfãs, de uma família incompleta, de uma mulher em frangalhos. Eu me escorei nas recordações do melhor que eu havia vivido, na certeza de que era por aquilo que valeria a pena seguir em frente. Para honrar e lembrar, para disseminar e não permitir que os pequenos esquecessem. 

Depois de alguns dias, eu olhava para o mundo e em minhas orações, em silêncio, chorando as dores excruciantes e abafando os soluços inconsoláveis de quem perdera algo precioso e a alegria de viver, eu pedia só para que o tempo corresse rápido, que as coisas retomassem seus lugares num passe de mágica, sem que eu precisasse desentravar o que tinha causado a parada do carrinho da minha vida no ponto mais alto do looping da montanha russa. Eu sabia que ninguém tomaria as rédeas das nossas vidas no meu lugar e, assim, eu fui ao mundo, eu pintei rosto e os lábios, calçei os saltos, escovei os cabelos, perfumei meu corpo, escondendo o desmoronamento interno que me embrulhava o estômago quando refletia no espelho a Moreninha da declaração de amor ali estampada. Eu queria apenas chegar o quanto antes ao muito depois disso, como eu disse infinitas vezes. Não, não era esquecer, não era apagar a linda história, o que eu queria. Eu desejava apenas que parasse de doer, de latejar, de me fazer me sentir partida ao meio. 

O tempo fez seu trabalho incansável de se demorar na dor e de correr feroz, sem olhar para trás, de bater cada segundo na sua própria batida e de estancar todos os sangramentos e cicatrizar cada uma das feridas. O tempo foi um dos deuses mais lindos, como disse a letra da canção que eu ouvi repetidamente no sétimo dia. Fez eu olhar para a cara dos meus filhos e encontrar dois grandiosíssimos motivos para continuar. Ele foi capaz de me fazer enxergar em meu espírito um brilho definido, uma capacidade de superação que eu não me sabia capaz, de modo que eu espalhasse benefícios. Devolveu, no tempo propício, a fé que me leva crer que será possível reunirmo-nos num outro tipo de vínculo. Tempo, tempo, tempo, tempo...

 É saudade corriqueira e é lembrança cotidiana. É amor que não desaparece e é alegria por ter vivido. É certeza da profundidade da entrega, da intimidade e da reciprocidade. São lágrimas que teimam em cair, são dores que teimam em doer, são indagações que insistem em fazer um nó na garganta e descompassar o coração, como se ele parasse uma batida a cada vez que eu lembrar. São olhos que marejam; é o coração que aperta; é a covinha na bochecha  e o sorriso largo do Matheus; são as pernas grossas e as travessuras do Thomás; são as fotos ainda pela casa e as memórias do grandão que persistem na lembrança dos dias felizes que ele viveu ao lado de quem não mais está, não mais estará. É a vida seguindo seu rumo com essa mácula gravada a ferro e fogo no meu peito.

Dois anos de saudade. Dois anos depois, ainda como se fosse ontem. Dois anos depois, parecendo que passaram décadas. Eu não sei explicar a incoerência do correr do tempo, eu só sei sentir. Dois anos depois do pior de todos os dias, dois anos depois de um furacão deixar tudo de cabeça para baixo. Dois anos depois e estamos todos inteiros, sorrindo, de pé e felizes (quase todos os dias). Você teria orgulho, mozinho. Você teria muito orgulho de quem nos tornamos...

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Uma canção tocou no rádio do carro ontem, enquanto eu voltava para casa. A  letra pedia para recordar uma canção que marcara o casal. Ele adorava essa música Oração ao Tempo, do Caetano Veloso, que dá título a essa postagem e toca todos os dias na abertura da novela das seis, que eu assisto fielmente. Ele dizia sempre que era a música preferida dele, na voz de Maria Bethânia.

"Há muito tempo, quando você estava comigo, eu me lembro, você cantava uma canção e me falava: 'lembre de mim'. E eu me lembro de nós dois estarmos juntos toda hora, antes de você um dia ir embora, você falou assim: 'Meu amor, onde estiver, seja com quem estiver, ao ouvir essa canção lembre de mim, de tudo que passamos, dos momentos que sonhamos'. Eu vou te lembrar sempre. Vou sim!" (Nossa canção - Capital do Sol)


14 comentários:

Tay Assis disse...

Como o tempo passa rápido, e é nitido o seu crescimento. bjs Celle

RENATA RODRIGUES disse...

Fiquei com o coração apertado...pois é exatamente como me sinto...amanhã fazem 6 meses que o meu Tonton se foi e ainda me sinto perdida, mas a vida não para..bjos

O Divã Dellas disse...

Engraçado... Eu nunca te vi, mas essa data tb já faz parte de minha vida e hoje logo cedo lembrei de vocês e desejei profunda e sinceramente PAZ pros seus corações.
Cinthya - O Divã Dellas

Izabel Bezerra disse...

Que lindo post Cele...você escreve com a alma!
Quantas saudades!!!
Com certeza ele estará PARA SEMPRE em nossos corações e sem um minuto sequer deixando de olhar por sua Moreninha e seus filhos..orgulho nítido em todas as suas conversas.
O sr.tempo cumpre seu papel...mas o amor por sua família foi também um grande aliado para sua reconstrução;AMOR que você sabe colocar muito bem,como mola mestra em sua caminhada.Você sabe SER e FAZER feliz através do que é verdadeiro...o AMOR entre os homens.
Olha por nós amigo querido...SEU EXEMPLO é INESQUECÍVEL!!!

Anônimo disse...

Oi, Marcele! Tive a oportunidade de conhecer o Thiago. Moro em Natal e sempre que ia em Fortaleza eu via a Paula (porque ela sempre teve muito contato com a parte da minha família que mora aí) e, consequentemente, o Thiago, a Renata... Como faz muitos anos que não apareço por aí, acompanhei tudo pelo seu blog. Sofri junto com vc, na verdade. Apesar de não ter te conhecido, apesar de nunca ter sido muito próxima do Thiago, eu senti demais pela perda, pela sua dor, pelos pequenos. O Thiago era uma pessoa que exalava amor pela vida, pelo próximo, por tudo que ele fazia. Minha ficha ainda não caiu direito. Confesso que, vergonhosamente, ainda não tive coragem de falar com a Paula. Não sei o que dizer até hoje, sabe? O que consigo fazer por vcs há dois anos é orar. Pedir força, fé... Graças a Deus, consigo ver nitidamente a sua recuperação, sua volta por cima. Que lindo ver tudo isso, Marcele! Vc é uma mulher de fibra e muita garra. Que Deus te conserve assim sempre. Um grande abraço!

Raquel Duarte Fernandes

Anônimo disse...

Lindo Marcele! Ahhhh tempo contraditório: parece que foi ontem e ao mesmo tempo, uma eternidade. Beijos em você e nos pequenos, que já estão enormes.

Bárbara Valões.

Anônimo disse...

E tu, como sempre me fazendo chorar - dessa vem em pleno trabalho, mas com uma grande diferença, é choro de saudade, mas tbm de alegria por te ver assim, FELIZ!
Beijo Grandão!
Juna

Anônimo disse...

Grande Thiago. às vezes ainda não acredito.Esse sim era homem de verdade.

Lílian disse...

Com certeza ele tem muito orgulho de vocês... e eu também!

Bjo pros três.

Raquel Carvalho disse...

Marcele, eu também me lembrei deste dia. Não sei se vc lembra de mim, estudei contigo na faculdade. Admiro muito a sua força. Um grande abraço.
Raquel Carvalho

Anônimo disse...

É...A solução agora é encontrar um prêmio de consolação, já que meu amigo Thiago é insuperável.
Ademir.
Amigo do Thiago.

Cele disse...

Ademir,

Eu acho que não me conformaria apenas com um premio de consolação. A vida segue sem ele e ela precisa ter seu curso. Outras pessoas virão e que sejam tão boas e que deixem suas marcas e que façam felizes aqueles que as cercam.

Cele disse...

Ademir,

Eu acho que não me conformaria apenas com um premio de consolação. A vida segue sem ele e ela precisa ter seu curso. Outras pessoas virão e que sejam tão boas e que deixem suas marcas e que façam felizes aqueles que as cercam.

Isabelle Gois disse...

Lindo post, me surpreendo e admiro como vc relaciona de uma forma tão linda as palavras, a estória de vcs com a letra dessa música simplesmente linda.
Sou sua fã Cele :) Como vc escreve bem!!
Beijooss