segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Delicadeza com a fragilidade

"Todas as relações do mundo possuem suas prateleiras de cristais. Há sempre um suspense, uma delicadeza ao transitar pela fragilidade do outro. Melhor não falar muito alto, é mais prudente ir devagar e com cuidado. Para não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos." (Martha Medeiros)

Se lhe é dada a oportunidade de conhecer o recôndito mais íntimo do coração de alguém, é de se fazer no de dentro a certeza da profundidade da relação com aquele que divide, que abre o assunto. Ao dividir, seja sincero, o máximo que for possível, descortinando o que se escondeu bem fundo. Ao ouvir, esteja atento. Pode-se estar em terreno pantanoso, em que as emoções se exarcebam, em que os sentimentos são graúdos e hiperbólicos, em que nem sempre se é capaz de deixar a racionalidade imperar. É preciso respeito e cuidado, é preciso delicadeza e ternura, é preciso compreensão.

Quanto se chega ao mais frágil de alguém, deve-se ter em mente que esta é a mais profunda entrega e a maior prova de confiança que o outro é capaz de dar. Quando alguém divide um medo, um trauma, uma dor está também descortinando esse véu. As máscaras cotidianas são baixadas, as vestimentas de guerra caem ao chão, o sorriso social some do rosto e, então, se vê o que há de feridas e mágoas e cicatrizes no coração e no corpo do outro, do sobrevivente, do guerreiro que descobriu dentro de si a força daqueles que seguem em frente. O que se vê é o cru, é o ser humano, é a pessoa em sua inteireza, com seu passado e seu presente e seu poder em existir, a despeito de tudo.

O olhar de quem testemunha esse desnudamento não deve conter qualquer resquício de pena. Deve-se olhar como se olha um vencedor de uma olimpíada ou de uma maratona. Olhar para cada cicatriz como quem olha para uma medalha, um troféu. É sinal de que a batalha não foi perdida, é sinal de que a guerra foi árdua, é sinal de sobrevivência. Não há de se ter vergonha das marcas que a batalha da vida nos deixa no corpo e na alma, mas orgulho. Desde Darwin já se sabe que sobreviver é para os mais fortes e a força que se tem só é verdadeiramente conhecida na precisão.

As marcas e cicatrizes que carregamos no corpo e na alma são a parte mais bonita da nossa existência, embora sejam também uma lembrança do mal que sofremos. Estão ali nos recônditos do de dentro, às vezes ardendo, às vezes queimando, às vezes em silêncio. São o que somos cada um de nós. São as lições que carregamos em estampa. São o que há de mais profundo e, por isso, frágil, secreto, íntimo. Quando tocar nesse ponto de alguém, seja amoroso e cuidadoso, para que essa relação não estilhasse em mil pedaços, para que o cristal não se quebre em suas mãos, para que o outro se sinta amparado. Só assim, então, será construída a intimidade que permeia as mais sólidas relações.

9 comentários:

Selma Helena Lessa disse...

Obrigada por toda a delicadeza e sabedoria em transmitir atravéz de palavras toda a sensibilidade e da alma humana.

Anônimo disse...

Temos de ficar agora ensinando como é que tem que ser é? isso é o mínimo dos mínimos.

Cele disse...

Caro anônimo,

Eu também acho que é o mínimo, mas é muito mais comum do que se pensa as pessoas não saberem lidar com situações delicadas, com o choro do outro, com a fragilidade emocional. É muito comum que, no momento de precisão, gente, antes tão próxima, sair de perto, se afastar por não saber o que dizer e pior: não saber nem ouvir. Às vezes, é preciso apenas ser ouvido, ou só chorar sem falar nada. Mas nem todo mundo consegue estar ao lado na fragilidade. FATO!

Anônimo disse...

Ou seja, isso é coisa de gente que só quer estar junto nos momentos de alegria. Quando é para ajudar a segurar uma barra junto, se manda, vai embora. Pessoas egoístas. Essa é a verdade. Doa a quem doer...
Ju

Anônimo disse...

"Só assim, então, será construída a intimidade que permeia as mais sólidas relações"

Que texto lindo! Que frase linda!
Sentimentos verdadeiros de amor e respeito seja em qualquer relação. Amar de verdade, sem medo, sem vergonha, admirando a verdade do outro. Seja o outro amigo, pai, mãe, filho, irmão...

Anônimo disse...

Quem teria coragem de fazr alguma coisa do tipo com você? O problema é que você deixa.
Ademir.

Isabelle Gois disse...

Concordo que é nesse interim, no sutil, em abrir o mundo ao outro nem que seja devagarinho é que construímos relações sólidas e verdadeiras.
Lindo!!

Mirys Segalla disse...

Cele:

Me fez ficar pensando em quantas e quanta vezes me falaram que "eu era muito jovem", que "eu IA ter outra pessoa", que "eu só não arrumava outro alguém porque não queria"...

Se despir de roupa e receber carinho, é fácil. Se despir das defesas e receber compreensão é muito mais difícil...

Bjos e bençãos.
Mirys
www.diariodos3mosqueteiros.blogspot.com

Cele disse...

Mirys, porque você passou por algo tão igual você sabe e-xa-ta-men-te do que eu estou falando, né?