Eu já entendi que essa história de "senhora do destino" é só coisa de novela mesmo. Não se tem poder algum sobre a vida nem sobre o destino. Compete-nos fazer algumas escolhas, é claro; rechaçar alguns inconvenientes, relevar pequenos atritos e desconfortos naturais nesse percurso. Compete-nos decidir alguns rumos, renunciar a outros, escolher pessoas, criar laços. Ainda assim, existem coisas que estão para além da nossa pequena e tacanha compreensão e limitação humanas.
Fato é que crescemos achando que é para sempre, vivemos como se fosse certo, contamos com o futuro que pode simplesmente nem chegar, corremos atrás de ganhar dinheiro, de adquirir bens e acumular recursos, de desenvolver habilidades promissoras para o mercado de trabalho e esquecemos, veja só que leviano e vão, esquecemo-nos de apreciar o caminho e as pessoas. Vivemos esperando o melhor momento para viver. Postergamos a felicidade, a alegria, a vida para quandos, para ses, para o depois que, como disse, pode nem vir a ser. E nessa nóia de esperar ótimas oportunidades e grandes feitos, deixamos escapar entre os dedos a felicidade pequena, corriqueira, palpável de todo dia.
A vida traiçoeira, moleca, levada, planta inúmeras surpresas no nosso caminho. Algumas delas parecem, sim, o fundo do poço, o fim do mundo, trazem uma sensação de quase morte, de amputação, de que se foi atravessado por uma bala de canhão. E, para quem vive assim, deixando para viver depois de quando, depois de um se, esse tipo de surpresa deixa um gosto amargo na boca, a sensação de que poderia ter sido feito mais, ter falado o que sentia, ter aproveitado a companhia, ter investido mais uma vez, ter perdoado, ter tentando porque valia a pena cada lágrima, cada gota de suor do rosto. Sobreviver ao choque traumático não é para todos e (disseram e eu concordo) a gente nunca sabe a força que tem até que a única alternativa é ser forte*.
E aí, se caminha mais um pouco, rasgando a pele, puxando o ar com dificuldade, buscando força quando não há mais fé, não há mais ânimo, não há quase nada, meio cego, meio louco, meio cambaleando e sangrando, e descobre, logo ali na frente, outra surpresa. Dessa vez, grata surpresa, dessas de fazer o coração acelerar, dessas de fazer a vida valer a pena, dessas de fazer entender que perdeu tanto ali atrás apenas e tão somente para dar valor a cada pequeno detalhe desse presente no presente. De repente, vem um sorriso autêntico e espontâneo de novo, e se percebe que as lágrimas não tem mais razão de ser, que o coração descomprimiu e de tão grande, parece não caber mais no peito. Voltamos a entender as coisas do mundo e achar que estar aqui tem um sentido, uma razão.
Não importa o que se faça, o que se acumule, quem se tenha, as escolhas que foram feitas, todos nós, sem exceção, estamos sujeitos a esses loopings na montanha russa da vida, a essas mudanças repentinas e que colocam tudo em perspectiva. A principal escolha que se impõe é a forma como lidaremos com esses momentos. Alguns se perderão dentro de si mesmos, sucumbindo ante a tristeza. Outros descobrirão que a força, a fé, a esperança que os move não os deixará esmorecer. Alguns não saberão dar valor aos presentes plantados no percurso e outros sorverão cada instante com sabedoria e gratidão.
De qualquer forma, vivida, exaurida e superada a dor, é possível enxergar com clareza o que sobrou. Conseguimos, então, distinguir o que é uma preocupação de um incômodo, o que é um dissabor e o que é um problema, o que é fundo do poço (exatamente porque se esteve lá). Passamos a dar valor a cada noite de sono, cada sorriso arrancado, cada momento em boa companhia, cada amizade verdadeira, cada dia de sol, cada abraço apertado, cada taça de vinho. E não é que se viva pensando somente no presente, no pra já, no imediato. É óbvio que sonhos, planos e projetos persistem aquecendo a alma e espairecendo a mente. O que acontece, de um jeito contumaz e invencível, é que acabamos percebendo que o melhor que se pode ter é o agora e que não podemos deixar escapar nenhuma oportunidade de ser feliz, porque isso, sim, é pra já.
"A vida é quem faz as escolhas, por mais que nos dê outra ilusão. Ela nos brinca e, em suas mãos, somos criança. Entre uma brincadeira e outra, vem a morte para nos ensinar tanto a urgência como a calma resignação. E é no jogo bobo e repetido que vai se revelando: o que passa, o que vem para ficar, o que é só caminho, o que é lugar para morar." (Cris Guerra)
*Johnny Depp
5 comentários:
Concordo, concordo e concordo.
Quero conseguir colocar mais e mais em prática...
Quando vc disse das mudanças da vida eu me lembrei da música que diz:
" A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda vida e carrega o destino pra lá, ..."
Beijos
Sensacional, Cele! Bjos!
Marcele, me dá um autógrafo? Rss...
Eu adoro ler seus textos. São cheios de verdades, de emoção, de conselhos, de vida.
Esse de hoje foi um presente pra mim, acredite.
Muita força, sabedoria para fazer sempre boas escolhas e saúde.
Quando for publicar um livro avisa pois quero ir pro lançamento e pegar meu autógrafo viu?
Beijos,
Selma Helena.
Cele, também tinha lido e amado esse texto da Cris Guerra. Aliás, afê! Essa mulher escreve bem, heim? Irritante, até....
E, antes que eu me esqueça, duplo afê! Você também escreve bem demais da conta!!!!
Aproveita que é sexta e VAMOS VIVER!!!! Ser feliz é pra hoje!
Bjos e bençãos.
MIrys
www.diariodos3mosqueteiros.blogspot.com
Isso me reporta à música abaixo: Epitáfio...
Mesmo crendo em Deus e nos Seus designios, mesmo conhecendo sua lei, sua Palavra e seu incondicional Amor e sabendo que Ele e nosso anjo da guarda é que nos protegem(e não o acaso), penso que é assim que se deve viver esta vida...
Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado as pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Devia ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Queria ter aceitado a vida como ela é
A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar...
É isso! Graças a Deus que ainda jovem você está aprendendo, daqui pra frente tenha o tempo que tiver... só VIDA para você. Bjs mil e te amo incondicionalmente
Postar um comentário