quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A liberdade de cada um ser o que é


Eu tenho isso como estilo de vida, isso de que todo mundo tem direito de ser livre. Livre nas escolhas, opções, atitudes. Livre para fazer o que quiser. Ninguém é obrigado a nada. Ninguém TEM QUE nada. Cada um faz o que quer, de acordo com o que pensa e o que resta aos outros é respeitar. É claro que não estou falando aqui de crimes, nem de desvio de condutas, nem de casos psiquiátricos. Eu me refiro a pessoas em gozo das faculdades mentais, vivendo suas vidas, batendo pernas pelo mundo, tendo relacionamentos. Eu me refiro ao cotidiano, ao ordinário, ao corriqueiro. 

Na minha opinião libertária, as pessoas devem poder decidir o rumo das suas vidas, profissão, religião, opção sexual, se vão fazer faculdade ou não, se vão casar ou não, se vão ter filhos ou não, se vão guardar dinheiro para a aposentadoria ou não, se vão fazer um aborto diante de uma gravidez indesejada ou não etcetera e tal. Isso vale para tudo. Eu não tenho nada a ver com a intimidade de ninguém. Nem eu, nem o Estado, nem os familiares. Ninguém tem. Ninguém além daquele que escolhe. Mas um vértice desse pensamento diz respeito à forma com que lidamos com os relacionamentos.

Em se tratando das relações que estabelecemos com outras pessoas, a compreensão da liberdade individual acarreta, via de regra, uma libertação pessoal também. Quando deixamos de ter expectativas em relação ao outro e entendemos que aquele comportamento é fruto de escolha pessoal, podemos escolher entre ficar e seguir, entre persistir e desistir, tendo por base aquilo que nos é ofertado. Não se pode ficar preso a um relacionamento para sempre se o que se recebe não é aquilo que se quer. Precisamos ser honestos conosco e com o outro e nos libertarmos para que possamos encontrar o que realmente buscamos com outro alguém, em outro lugar.  Essa ideia não é fácil de pôr em prática, principalmente quando há muito sentimento envolvido. Sei que existem melindres nas relações que tornam esse tipo de atitude um sacrifício, sei que tem muito mais matizes que o preto e branco que pareço declarar aqui. Eu não acho que as pessoas devam ser levianas, desistir na primeira dificuldade. Mas eu acredito que, embora seja tarefa árdua, é plenamente possível olhar com mais racionalidade para nossos relacionamentos.

Assim, deixamos de querer que retribuam o nosso amor, nossa atenção, nosso carinho e entendemos que a falta disso tudo é fruto exclusivamente da falta de sentimento, uma vez que o outro simplesmente não quer investir na relação (sabe, "ele não está tão afim de você"?). E cabe a cada um decidir o que fazer diante disso. Sou favorável que as cartas estejam sempre sobre a mesa para que todos saibam, com base no que está posto, as atitudes a tomar. Se não se está preparado para casar, deixe isso claro. Se o que se quer é um relacionamento casual, diga isso. Se o que procura é um amor verdadeiro, informe isso. Não precisa ser grosseiro nem pegajoso demais, não use subterfúgios, não crie códigos. É preciso estar aberto para ter um relacionamento adulto e maduro com alguém, seja de que tipo for: casual, namoro, casamento. Assim acabamos por perceber também que não se pode esperar compreensão do chefe, do vizinho, do amigo; mas se pode mudar de emprego, de casa, se distanciar daqueles que não nos fazem bem. Abandonamos a passividade, o papel de vítima, de coitadinho, de renegado, de expropriado de bens imateriais que nos deveriam alcançar e pertencer. Abandonamos os choramingos, a sensação de injustiça, a humilhação e a depreciação que decorrem do desprezo amoroso ou fraterno. Deixamos de lado a pequenez e a sensação de propriedade sobre o outro. E, num passe de mágica, tornamo-nos mais altivos, assumimos uma atitude positiva, de decidir estar perto e viver somente daquilo que aquece a alma e o coração.

Repito: não é fácil, requer coragem, atenção e muito, muito empenho. É preciso lidar um pouco mais racionalmente com tudo aquilo que envolve os nossos relacionamentos, nossos mais profundos investimentos psicológicos e os sentimentos que nem conseguimos explicar; entender que as pessoas não nos devem nada, não são obrigadas a se comportar conforme queremos nem a atender nossas expectativas, muito menos às conveniências sociais; perceber que a felicidade que almejamos depende muito mais de esforço pessoal que de sorte, ou destino, ou benção divina ou coisa que o valha. É preciso mudar a maneira como pensamos quando nos relacionamos e entender que amor nada tem a ver com mérito, com prêmio, com compensação. Amor é simples e quando ele existe, por certo, não há dúvida alguma.


PS: Escrevi o texto inspirada no texto lindo da Andréa Beheregaray que colo abaixo

Muitas vezes esperamos daqueles que amamos mais do que eles tem pra dar. Afeto é especiaria que não se cobra, não se pede, não se exige, se não deixa de ser afeto e vira obrigação que é coisa muito diferente.

A impossibilidade afetiva não é uma escolha, mas antes uma condição. Admiro, no entanto, aquele que tem a coragem, honestidade e consideração de assumir essa impossibilidade.

Isso nos tira do lugar da espera, sempre tão passiva, do lugar de aguardar aquilo que não vem. Que, apesar de dolorido, nos ajuda a entender que o outro não tem para dar agora, ou talvez nunca tenha.

Ficar ou não nesse lugar, passa a ser responsabilidade daquele que, conhecendo a verdade, escolhe o que fazer com ela. 

Exigir afeto de quem não tem, e assumir isso, é uma cilada afetiva. Puro boicote. Exigir de quem não tem é tão injusto quanto prometer aquilo que não se pode cumprir. 

O primeiro, aquele que exige de quem não tem, gosta do papel de vítima e de não assumir a responsabilidade por suas escolhas. O segundo, que promete o que não pode cumprir, geralmente tem uma autoestima baixa e tem medo de , assumindo seu não-afeto, perder o amor de quem exige. Mas em uma coisa são parecidos, parecem gostar pouco de si mesmos. 

A melhor receita no amor é jogo limpo!

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Não teve outro jeito

Olha, eu confesso minha resistência e meus dois pés atrás. Confesso que não sou fácil, que sei ser sarcástica, às vezes (tá bom, muitas vezes), e que não gosto de expor as feridas, os hematomas, os calos todos, nem os rasos, que dirá os mais profundos. Poderia ser tudo diferente, não poderia? Poderia ser tudo leve e descontraído e sorridente e amigável e transcendental como fora uma vez... Quem fez a opção pelo abismo foi você, não fui eu. Eu fiquei ali, olhando para cena toda meio estarrecida, boquiaberta, em frangalhos, vendo você cavar cada vez mais fundo o canyon que nos separaria. Eu não tinha ninguém com quem gritar e dizer o quanto aquilo tudo me feria. Eu não podia estapear você e mostrar o quão enganado estava. Eu não podia obrigá-lo a construir as pontes que manteriam o nosso direito de ir e vir na vida do outro. Eu assisti, chorei calada e dei as costas. Eu confesso que esperei por muito tempo uma mudança, uma atitude que me comprovasse que o que via era apenas uma ilusão de ótica, um gesto seu que me fizesse entender que não era nada daquilo que eu tava pensando. Esperei em vão. Não é mágoa, não é rancor, não é ressentimento, é só a constatação do sem jeito e um lamento por ver tudo que fora especial ruir. É incrível olhar para você hoje e simplesmente não sentir mais. Dei as costas e fui viver minha vida. Tentei ao máximo extirpar o que era raiz profunda em mim. Tentei soterrar o buraco da ausência. As notícias me chegavam, é claro, como não duvido que chegassem até você. E eu as ouvia todas, sorria quando pediam sorrisos e lamentava quando eram de se lamentar. Não é que você tenha se tornado indiferente, acho que seria impossível. É só que eu não consigo mais enxergá-lo com o carinho que envolve aquilo tudo que é nosso. Sim, pois uma relação, seja de que tipo for (amor, amizade, fraternidade, companheirismo) é um patrimônio que precisa ser bem gerido. Na minha estapafúrdia opinião, o patrimônio mais importante, o que requer os mais pesados investimentos e a mais absoluta cautela. Não é pra todo mundo essa espécie de Asset Management. E aí, que eu aprendi, a duras penas, a abrir mão, a deixar ir e a esvaziar o peito do sentimento que unira. Você se esvaiu de mim e, ao topar com sua gargalhada alta e contagiante de sempre, seu abraço apertado de quem quer bem e seu jeito de olhar no meu olho, eu sorrio de novo, sem dor, sem ressentimento, sem rancor, e vejo só um homem mais maduro, mais doído, mais crescido. É como quando a gente encontra um coleguinha da pré-escola: você pode até se lembrar de que se queriam muito bem, de que brincavam juntos e eram inseparáveis, mas aquela pessoa não pertence mais à sua vida. E, simples assim, o tempo passou e a vida mudou. É, não teve outro jeito.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Texto lindo

Alguém especial
É isso que você quer – ou um monte de gente basta?
(IVAN MARTINS)
 
"Ficar com muita gente é fácil", diz um amigo meu, com pouco mais de 25 anos. "Difícil é achar alguém especial". Faz algum tempo que tivemos essa conversa. Ele tentava me explicar por que, em meio a tantas garotas bonitas, a tantas baladas e viagens, ele não se decidia a namorar.
 
Ele não disse que estava sobrando mulher. Não disse que seria um desperdício escolher apenas uma. Não falou em aproveitar a juventude ou o momento e nem alegou que teria dificuldade em escolher. Disse apenas que é difícil achar alguém especial.
 
Na hora, parado com ele na porta do elevador, aquilo me pareceu apenas uma desculpa para quem, afinal, está curtindo a abundância. Foi depois que eu vim a pensar que existe mesmo gente especial, e que é difícil topar com uma delas.
 
Claro, o mundo está cheio de gente bonita. Também há pessoas disponíveis para quase tudo, de sexo a asa delta. Para encontrar gente animada, basta ir ao bar, descobrir a balada, chegar na festa quando estiver bombando. Se você não for muito feio ou muito chato, vai se dar bem. Se você for jovem e bonita, vai ter possibilidade de escolher. Pode-se viver assim por muito tempo, experimentando, trocando de gente sem muita dor e quase sem culpa, descobrindo prazeres e sensações que, no passado, estariam proibidos, especialmente às mulheres.
 
Mas talvez isso tudo não seja suficiente.
 
Talvez seja preciso, para sentir-se realmente vivo, um tipo de sensação que não se obtém apenas trocando de parceiro ou de parceira toda semana. Talvez seja preciso, depois de algum tempo na farra, ficar apaixonado. Na verdade, ficar apaixonado pode ser aquilo que nós procuramos o tempo inteiro – mas isso, diria o meu jovem amigo, exige alguém especial.
 
Desde que ele usou essa fatídica expressão, eu fiquei pensando, mesmo contra a minha vontade, sobre o que seria alguém especial, e ainda não encontrei uma resposta satisfatória. Provavelmente porque ela não existe.
 
Você certamente já passou pela sensação engraçada de ouvir um amigo explicando, incansavelmente, por que aquela garota por quem ele está apaixonado é a mulher mais linda e mais encantadora do mundo – sem que você perceba, nela, nada de especial. OK, a garota é bonitinha. OK, o sotaque dela é charmoso. Mas, quem ouvisse ele falando, acharia que está namorando a irmã gêmea da Mila Kunis. Para ele ela é única e quase sobrenatural, e isso basta.
Disso se deduz, eu acho, que a pessoa especial é aquela que nos faz sentir especial.
 
Tenho uma amiga que anda apaixonada por um sujeito que eu, com a melhor boa vontade, só consigo achar um coxinha. Mas o tal rapaz, que parece que nasceu no cartório, faz com que ela se sinta a mulher mais sensual e mais arrebatada do planeta. É uma química aparentemente inexplicável entre um furacão e um copo de água mineral sem gás, mas que parece funcionar maravilhosamente. Ela, linda e selvagem como um puma da montanha, escolheu o cara que toma banho engravatado, entre tantos outros que se ofereciam, por que ele a faz sentir-se de um modo que ninguém mais faz. E isso basta.
 
É preciso admitir que há gente que parece especial para todo mundo. Não estou falando de atores e atrizes ou qualquer dessas celebridades que colonizam as nossas fantasias sexuais como cupins. Falo de gente normal extremamente sedutora. Isso existe, entre homens e entre mulheres. São aquelas pessoas com quem todo mundo quer ficar. Aquelas por quem um número desproporcional de seres humanos é apaixonado. Essas pessoas existem, estão em toda parte, circulam entre nós provocando suspiros e viradas de pescoço, mas não acho que sejam a resposta aos desejos de cada um de nós. Claro, todo mundo quer uma chance de ficar com uma pessoa dessas. Mas, quando acontece, não é exatamente aquilo que se imaginava. Você pode descobrir que a pessoa que todo mundo acha especial não é especial para você.
 
Da minha parte, tendo pensado um pouco, acho que a pessoa especial é aquele que enche a minha vida. Ela é a resposta às minhas ansiedades. Ela me dá aquilo que eu nem sei que eu preciso – às vezes é paz, outras vezes confusão. Eu tenho certeza que ela é linda por que não consigo deixar de olhá-la. Tenho certeza que é a pessoa mais sensual do mundo, uma vez que eu não consigo tirar as mãos dela. Certamente é brilhante, já que ela fala e eu babo. E, claro, a mulher mais engraçada do mundo, pois me faz rir o tempo inteiro. Tem também um senso de humor inteligentíssimo, visto que adora as minhas piadas. Com ela eu viajo, durmo, como, transo e até brigo bem. Ela extrai o melhor e o pior de mim, faz com que eu me sinta inteiro.
 
Deve ser isso que o meu amigo tinha em mente quando se referia a alguém especial. Se for isso vale a pena. As pessoas que passam na nossa vida são importantes, mas, de vez em quando, alguém tem de cavar um buraco bem fundo e ficar. Essas são especiais e não são fáceis de achar.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Modus operandi

Não é fácil encarar a vida e distinguir verdade e ficção, realidade e sonho. Muitas vezes, criamos subterfúgios, escapatórias, saídas tangenciais, encobrimos as coisas com um véu ilusório para enxergar tudo de uma maneira mais fácil e que quase nunca correspondente ao que é de fato. Muitas vezes, damos o velho e bom jeitinho brasileiro ou incitamos a nossa veia lutadora, que nos faz crer - numa quase convicção - de que tudo, tudo, tudo vai dar pé mesmo que vá contra todas as possibilidades. Não é do nosso feitio entregar os pontos, nem desistir ante a burocracia, o inevitável, o intransponível. Fomos criados para não abrir mão nunca, para lutar até o fim, para termos a esperança sempre renovada, a fé no futuro melhor. Crescemos sonhando em confiança de que aquilo que mais desejamos vai acontecer, mais cedo ou mais tarde. E, se o que desejamos não acontece, o que se diz é que não era para ser, que o que é nosso está guardado e mais uma série de clichês. Quando a vida arteira puxa o tapete e vira tudo de ponta-cabeça, o que se ouve é que não se deve se indispor com a vontade de Deus e que é preciso ser persistente, forte e seguir acreditando. Somos inquebrantáveis, irredutíveis, somos esperançosos até o último suspiro. Bricamos de jogo do contente e rimos das dificuldades que a vida nos impõe. Escrevo tudo na primeira pessoa do plural porque me incluo nisso. Eu também sou assim. Acredito nessas coisas, perpetuo esses conceitos e vou até o depois do final do além para ter aquilo que desejo e com que sonho tanto, mesmo que me machuque - e muitas vezes as feridas são inevitáveis, mesmo que doa - o sofrimento é opcional, para poder depois, enfim, distribuir todos os sorrisos que a conquista traz.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Citações

"Acho que, assim como a maior parte de nossas feridas tem origem em nossos relacionamentos, o mesmo acontece com as curas." (A cabana)
 
"Eu já quis que o destino me surpreendesse. Hoje eu só espero que ele não me decepcione." (Caio Fernando Abreu)
 
"Não há como ensinar o outro a escolher, toda escolha depende da capacidade de suportar perdas." (Fabrício Carpinejar)

sábado, 20 de agosto de 2011

Citação

"Hoje aconteceu uma coisa engraçada, que atestou mais uma vez a minha incoerência comigo mesmo. Vivo imaginando que de repente vão aparecer fadas ou gênios na minha frente para perguntar o que eu desejo. Hoje pensei sério: se me perguntassem o que mais desejo na vida, não saberia responder. Quero tudo. Mas esse 'tudo' é tão grande, tão vago, que me sinto estonteado. É preciso ir limitando meu sonho, apagando as linhas supérfluas, corrigindo as arestas, até restar somente o centro, o âmago, a essência. Mas qual será esse centro, meu Deus, que não encontro?

Sinto-me terrivelmente vazio. Há pouco estive chorando, sem saber exatamente por quê. Às vezes odeio esta vida, estas paredes, essas caminhadas de casa para aula, da aula para casa, esses diálogos vazios, odeio até este diário, que não existiria se eu não me sentisse tão só. O que eu queria mesmo era um ombro amigo onde pudesse encostar a cabeça, uma mão passando na minha testa, uma outra mão perdida dentro da minha. O que eu queria era alguém que me recolhesse como um menino desorientado numa noite de tempestade, me colocasse numa cama quente e fofa, me desse um chá de laranjeira e me contasse uma história. Uma história longa sobre um menino só e triste que achou, uma vez, durante uma noite de tempestade, alguém que cuidasse dele.

Mas gosto, gosto das pessoas. Não sei me comunicar com elas, mas gosto de vê-las, de estar ao seu lado, saber suas tristezas, suas asperezas, suas vidas. Às vezes também me dá uma bruta raiva delas, de sua tristeza, sua mesquinhez. Depois penso que não tenho direito de julgar ninguém, que cada um pode - e deve - ser o que é, ninguém tem nada com isso. Em seguida, minha outra parte sussurra em meus ouvidos que aí, justamente aí, está o grande mal das pessoas: o fato de serem como são e ninguém poder fazer nada. Só elas poderiam fazer alguma coisa por si próprias, mas não fazem porque não se veem, não sabem como são. Ou, se sabem, fecham os olhos e continuam fingindo, a vida inteira fingindo que não sabem.

Eu gostaria de ir embora para uma cidade qualquer, bem longe daqui, onde ninguém me conhecesse, onde não me tratassem com consideração por eu ser 'o filho de fulano' ou 'o neto do beltrano'. Onde eu pudesse experimentar por mim mesmo as minhas asas para descobrir, enfim, se elas são realmente fortes como imagino. E se não forem, mesmo que quebrassem no primeiro voo, mesmo que após certo tempo eu voltasse derrotado, ferido, humilhado - mesmo assim restaria o consolode ter descoberto que valho o que sou. É muito confortável bancar o infeliz e angustiado quando se vive num bom apartamento, quando se tem um copo de leite quente todas as noites antes de dormir, uma mesada no fim do mês e uma mãe que basta estalar os dedos para dobrar-se aos meus pés como uma escrava oriental. Ter demais é o meu mal. Se tivesse que batucar numa máquina de escrever todos os dias num escritório cheio de gente preocupada demais consigo mesma para dar atenção aos meus problemas, se tivesse que andar em ônibus superlotados, usar roupas velhas e sapatos furados, então poderia saber se existe ou não essa força que em vão tento encontrar em meu corpo.

Tem sido muito fácil pra mim, fácil demais. Às vezes, desejo ardentemente que aconteça uma desgraça, uma catástrofe que me jogue ao nível do chão, para me obrigar a despir as máscaras, os falsos gestos, as falsas palavras. Uma coisa que me torne ínfimo, ainda mais confuso e só do que eu sou, que me deixe a sós comigo mesmo, nu, na frente de um espelho, a investigar a minha verdadeira condição. Então eu saberia, pela primeira vez eu poderia saber. Então viria a solução final, definitiva. Levantar-me aos poucos, como um pé-de-vento, lentamente crescendo, incorporando outros seres a mim, e girando, girando sempre, tornar-me tormenta,, furacão, vendaval, terremoto, cataclismo. Ou me dissolveria em poeira à primeira brisa que soprasse - quem sabe?

Fico pensando se viver não será sinônimo de perguntar. A gente se debate, busca, segura o fato com duas mãos sedentas e pensa: 'Achei! Achei!', mas ele escorrega, se espatifa em mil pedaços, como um vaso de barro coberto apenas por uma leve camada de louça. A gente fica só outra vez e tem que começar do nada, correndo loucamente em busca dos outros vasos que vê. Cada um que surge parece o último. Mas todos são de barro, quebram-se antes que possamos reformular  as perguntas. E começamos de novo, mais uma vez, dia após dia, ano após ano. Um dia a gente chega em frente ao espelho e descobre: 'envelheci'. Então a busca termina. As perguntas calam no fundo da garganta, e vem a morte. Que talvez seja a grande resposta. A única."

(Caio Fernando Abreu. Limite Branco, p. 72-74)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Vulnerável

Adj.  de dois gêneros 1. Suscetível de ser ferido, ofendido ou atacado; 2. diz-se do lado fraco de uma questão ou assunto; 3. diz-se do ponto por onde uma pessoa pode ser atacada ou ferida

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Meu time

"Tenho minhas dúvidas se sofre menos quem não faz planos, não cria expectativas, não flerta com a ansiedade. Eu já tentei e não consigo ser diferente. Sinto, invento, encasqueto, tento e vou. A vida comum, de dias iguais, de fato não me apetece. Preciso do brilho da imaginação, das unhas roídas de expectativa, de ponto pra alcançar, e às vezes - como boa taurina - de sarna pra me coçar. De desafio. Nem sempre a correia cotidiana permite o êxito em assim ser. Mas sou do time dos que tentam, dos que se levantam dos tombos, limpam os joelhos e seguem, ainda que enxugando algumas lágrimas inconvenientes."
 
(Yohana Sanfer)

domingo, 14 de agosto de 2011

Homenagem Inevitável

Ano passado, nós fugimos do Dia dos Pais. As crianças não foram à escola, não assistiram à TV e fizemos os programas normais de domingo sem tocar nesse assunto. Esse ano, eu optei por enfrentar o dia. Digo enfrentar porque efetivamente é uma barra muito pesada para mim ter de reconhecer essa ausência dolorida e amenizar a dor dos meus pequenos. Não, não é fácil enfrentar o Dia dos Pais sem ele e por isso, essa homenagem. 

Em fotos eu conseguirei expressar, lembrar e reverenciar o amor que ele tinha pelos pequenos, o amor que surgiu desde a barriga, que fez ele se apaixonar pelo bebê, que fez ele voltar a ser criança, fez com que tivesse ideias mirabolantes de diversão, fez rolar no chão, pagar mico e ser o pai mais perfeito que estes olhinhos aqui já viram. Feliz Dia dos Pais, Thi! Onde você estiver, saiba que eu sigo aqui tentando fazê-los não esquecer nunca do seu imenso amor.




























sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Para o Dia dos Pais


Eu escrevi esse texto para o meu pai numa época em que eu nem era mãe, nem era adulta e nem tinha passado pelos perrengues que passei. Por certo, eu tinha sofrido um pouco e tive meus entreveros com ele. O tempo passou, muita coisa mudou e o texto continua super válido.

"O amadurecimento é um processo doloroso. Deixar de ser criança, deixar de correr pr'os seus braços nos momentos de perigo e de dor não é fácil. É muito mais confortável ter a segurança dos seus ombros para me amparar... Mas, 'eu cresci e não teve outro jeito...' 


Da mesma forma que amadurecer dói, é também um processo revelador, instigante, atraente. Por ele, consegui olhar o senhor com outros olhos, entendi os erros, dissipei as mágoas, percebi o quão dificil é ser adulto e carregar o peso de uma família nas costas. Assim, descobri em você 'meu herói, meu bandido', um homem com qualidades e defeitos como tantos outros, mas que carrega o signo de adoração pelo simples fato de ser MEU PAI.


Suas carcterísticas relevantes repercutirão na pessoa que serei. A figura desmistificada do meu PAI me mostrou mais que um homem, UM EXEMPLO, alguém que me acompanhará por toda a minha vida... Mesmo que as palavras, como estas, não sejam corriqueiras, é imprescindivel que sejam ditas. Pai, (porque todas as palavras parecem pequenas nesse momento?!) amo você demais!
"Você faz parte desse caminho que hoje eu sigo em paz...".


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Medo das máscaras

Eu escrevi sobre os meus medos no post do dia 13/07. Porque eu tenho medo também. É bem claro para mim que existe hoje uma coragem maior, coragem para arriscar, para me jogar naquilo que me faz bem. Coragem que é decorrente da certeza de que eu aguento o sofrimento, certeza de que não tombo fácil. Coragem não é ausência do medo, mas apenas a capacidade de agir a despeito dele.
 
Nesse sentido, eu continuo tendo medo. Muito medo. E descobri recentemente que maior que o medo de não conseguir dar conta de tudo, da solidão, de perder minha saúde e minha sanidade mental, é o medo de que as pessoas ao meu redor usem máscaras. Eu tenho medo de ver as máscaras caírem. Não porque eu não seja capaz de lidar com a decepção, mas porque eu parto do princípio de que as pessoas são sinceras e honestas comigo e com os outros. Inocente? Talvez.
 
É uma coisa que carrego comigo essa necessidade de ser verdadeira. Eu não finjo e/ou forço amizade com ninguém; não tento ser simpática para agradar. Se não gosto de algo, de algum lugar, isso fica muito claro no meu semblante. Por outro lado, aquilo que me encanta salta aos olhos, como quando criança encontra com o papai noel do shopping, surge um brilho no olhar. Normalmente, me mantenho neutra nas primeiras vezes com quem quer que seja e, depois de perceber empatia, é capaz de contar minha vida inteira para o interlocutor e convidar para o aniversário dos pequenos. Quando eu amo, eu digo que amo. Quando não quero bem, eu simplesmente não digo nada. Se sou amiga, eu sou inteira, de verdade. Faço questão de encontrar, de ver, de rever, de abraçar, de ajudar no que eu puder. Se não sou, a pessoa é indiferente, incluindo suas opiniões e achismos a meu respeito. Tenho um pé atrás com alguns conhecidos, mas não fico tramando armadilhas para pegá-los com a boca na butija.
 
Não estou dizendo aqui que eu não minta nunca, que eu nunca faço coisa alguma por obrigação, que eu sou sempre verdadeira e inteira em tudo. Claro que não. O que eu quero dizer é que quando a gente vive sem mascarar os sentimentos e a vida que se leva, a gente acaba por esperar que as pessoas com que convivemos façam o mesmo. Aí é que, vezenquando, eu me pego pensando se as pessoas são mesmos o que parecem ser ou se estão agindo de determinada forma para um determinado fim. Ou pior: eu fico pensando que segredos aquela pessoa esconde do mundo. Eu fico com medo que a pessoa não seja nada daquilo que eu percebi, que meus sentidos estejam confusos ou que ela guarde bem no poço profundo de si uma mesquinhez, uma pequenez, uma sordidez nunca antes exteriorizadas.
 
Eu tenho muito medo que as máscaras caiam porque, na minha opinião, pior que se afastar de um amigo, pior que um relacionamento não dar certo, pior que se desentender com os familiares é descobrir que o outro não é absolutamente nada daquilo que se pensou, que por trás daquele carinho, daquele afeto havia interesses escusos e/ou mentiras deslavadas. É possível retomar a amizade com um amigo distante, é possível se tornar amigo de um ex-amor, é possível conversar e se entender com os parentes; mas quando a gente se engana sobre a essência de alguém não resta mais nada.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A orquídea do deserto

Quão improvável seria uma orquídea nascer no deserto? Muitos sabem da necessidade de cuidados especiais desta espécie de flor: sol e temperaturas amenos, nada de luz direta. Como poderia crescer nas temperaturas cáusticas e na secura desérticas? Na luminosidade agressiva que cega? Como ela poderia nascer bonita a despeito de todos os obstáculos naturais? O que se sabe é que, mesmo assim, uma orquídea floresceu em meio ao nada e está lá brotando no deserto sua beleza em flor. Não se sabe o que fazer com ela, único exemplar da bravura da flora contra as adversidades ambientais, resultado de uma conjunção de improbabilidades que deu certo. O que é tradicionalmente dito sobre orquídeas, não serve para essa, porque ela é exceção, porque ela é surpresa e porque é única. Surgiu em ambiente inóspito, sobreviveu ignorando os péssimos prognósticos, e cresce com força e a olhos vistos. O desenvolvimento da orquídea do deserto é estarrecedor e paralisante. A sensação de não se saber como lidar com ela é constante. Medo de colocar água, de providenciar sombra, de refrigerar o ar ao redor, de colocá-la sob uma redoma, medo de que isso tudo estrague o milagre que é tê-la ali, que modifique o meio que propiciou sua vida. Medo de que ela simplesmente deixe de existir. Ter a orquídea no deserto é sublime e um pouco surreal, se se considerar quão extraordinária é a sua existência. Faz surgir um sentimento de recompensa, como se a simples visão desse milagre tornasse aqueles que vivem isso instantaneamente especiais. É a sensação de ser agraciado depois de ter andado tanto pelo deserto, depois de ter se perdido do caminho que seguia, de ter se afastado dos rumos que se havia traçado para si. Esbarrar com a orquídea do deserto é presente surpresa, é benção na vida, é raro, muito raro. Compreender que se vivencia um momento único basta para fazer feliz quem a contempla. Talvez seja este o objetivo da sua excepcional existência: fazer feliz aqueles que lhe pousam os olhos e mudar suas vidas completamente.
 
 
"Quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer"
"Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando as contempla"
"Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo"
"Ela sozinha é, porém mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o para vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa."
"Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez tua rosa tão importante. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa... "
"A gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar"
"Será como a flor. Se tu amas uma flor que se acha numa estrela, é doce, de noite, olhar o céu. Todas as estrelas estão floridas."
(O pequeno príncipe)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Racional

A voz da experiência perguntou: "Mesmo apaixonada por ele, porque eu SEI que você está apaixonada por ele, você consegue ser racional assim?".
 
E ela respondeu com o pragmatismo de sempre, com a certeza que move as pessoas que sabem de si, que se conhecem a fundo, ela respondeu que sim, que seria racional, embora doesse muito. Ela sabia dos próprios limites, dos próprios critérios e sabia muito bem o que queria e o que não. Ela sabia que tudo na vida mudara desde que a vida mudara, e que ela não sobreviveria com as coisas correndo indeterminadamente e sem fim. Ela precisava de certezas, de terra firme, de chão para prosseguir. Ainda que não tivesse tudo sob controle, porque impossível ter, ela queria ter segurança e abrigo. Embora a esperança fosse infinita, a espera não seria, ela sempre soube disso. Se o timing para os dois não era perfeito, que o mundo girasse até que eles se encontrem novamente na hora certa ou que não se encontrem mais. Que haja oportunidade para ele ter alguém que receba menos, para ela ter alguém que entregue mais.  Ela respondeu que sabia que não suportaria o indefinido por muito tempo e que abriria mão (não sem dor, não sem sofrimento), mas que de dor e sofrimento ela entende e aguenta o tranco. Ela respondeu que seria racional por si mesma, por amor próprio, mas só quando houver convicção que se fez tudo que podia ser feito, até o limite último da razoabilidade. Porque ela é assim.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Hoje eu quero assim

Itinerário (Ana Jácomo)
Não quero viver como uma planta que engasga e não diz a sua flor. Como um pássaro que mantém os pés atados a um visgo imaginário. Como um texto que tece centenas de parágrafos sem dar o recado pretendido. Que eu saiba fazer os meus sonhos frutificarem a sua música. Que eu não me especialize em desculpas que me desviem dos meus prazeres. Que eu consiga derreter as grades de cera que me afastam da minha vontade. Que a cada manhã, ao acordar, eu desperte um pouco mais para o que verdadeiramente me interessa.
 
Não quero olhar para trás, lá na frente, e descobrir quilômetros de terreno baldio que eu não soube cultivar. Calhamaços de páginas em branco à espera de uma história que se parecesse comigo. Não quero perceber que, embora desejasse grande, amei pequeno. Que deixei escapulir as oportunidades capazes de bordar mais alegrias na minha vida. Que me atolei na areia movediça do tédio. Que a quantidade de energia desperdiçada com tantas tolices poderia ter sido útil para levar luz a algumas sombras, a começar pelas minhas.
 
Que eu saiba as minhas asas, ainda que com medo. Que, ainda que com medo, eu avance. Que eu não me encabule jamais por sentir ternura. Que eu me enamore com a pureza das almas que vivem cada encontro com os tons mais contentes da sua caixa de lápis de cor. Que o Deus que brinca em mim convide para brincar o Deus que mora nas pessoas. Que eu tenha delicadeza para acolher aqueles que entrarem na roda e sabedoria para abençoar aqueles que dela se retirarem.
 
Que, durante a viagem, eu possa saborear paisagens já contempladas com olhos admirados de quem se encanta pela primeira vez. Que, diante de cada beleza, o meu olhar inaugure detalhes, ângulos, leituras, que passaram despercebidos no olhar anterior. Que eu me conceda a bênção de ter olhos que não se fechem ao espetáculo precioso da natureza, há milênios em cartaz, com ou sem plateia. Quero aprender a ser cada vez mais maleável comigo e com os outros. Desapertar a rigidez. Rir mais vezes a partir do coração.

Quero ter cuidado para não soltar a minha mão da mão da generosidade, durante o percurso. E, quando soltá-la, pelas distrações causadas pelo egoísmo, quero ter a atenção para sincronizar o meu passo com o dela de novo. Quero ser respeitosa com as limitações alheias e me recordar mais vezes o quanto é trabalhoso amadurecer. Quero aprender a converter toda a energia disponível às mudanças que me são necessárias, em vez de empregá-la no julgamento das outras pessoas.

Que as dificuldades que eu experimentar ao longo da jornada não me roubem a capacidade de encanto. A coragem para me aproximar, um pouquinho mais a cada dia, da realização de cada sonho que me move. A ideia de que a minha vida possa somar no mundo, de alguma forma. A intenção de não morrer como uma planta que engasgou e não disse a sua flor.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Eu sei que sei

Ela sabe. No fundo, ela sabe de tudo. Ela consegue pressentir o que está escondido e antever o futuro deles. Ele fala que a adora e chama de linda. E ela sabe que quer aproveitar cada segundo do lado dele porque o tempo é curto e a felicidade é pra ontem. Ela só queria rir com ele a noite inteira, madrugada a dentro, todas as noites. Queria que cada uma dessas noites não tivesse fim para falarem as besteiras de sempre e outras coisinhas mais, para jogar conversa fora, para dividir a vida, os medos, a rotina, as dores e os caminhos. As longas noites de conversa são sempre perfeitas e ela não entende como pode ser tão gostoso estar do lado daquele cara, sempre e tanto e cada dia mais. Ela se pergunta como pode estar tão feliz. Feliz de poder simplesmente conversar com ele, feliz por saber do que ele sente e do que pensa das coisas do mundo, feliz por ajudar, por ouvir. Aí, ela percebe que queria estar ali para sempre. Quando eles se abraçam, o ritmo da respiração dela muda. E ela sabe que, na verdade, ele mudou a vida dela (ou teria devolvido a vida a ela?). Ele não fez nada pra isso, não era nem essa a intenção, não foi programado, mas ela passou a se sentir muito mais feliz depois que a vida deles se cruzaram. Ela sabe que quer ele e isso é tudo. Quer ele abraçando com aquelas mãos macias, com aquele corpo quente, aqueles olhinhos brilhando ao lado dela, o olhar no olho que fala sem palavras, o sorriso mais do que fofo. Aquele cara chegou de páraquedas, imprevisivelmente, e a rendeu sem o mínimo esforço, sem fazer nada demais, só sendo quem ele é. E ele é o cara pra quem ela olha e pensa e diz em tom de brincadeira: me carrega pra sua vida? Ela sente que as afinidades são muitas, ela sente que o desejo é recíproco, ela percebe claramente o que os une. O único problema são as correntes amarradas nos pulsos dele. Elas são invisíveis, quase imperceptíveis em alguns momentos, mas estão lá, prendendo o abraço dele ao passado, impedindo a entrega sem ressalvas, sem poréns. Ela não vê as correntes, mas sente a presença delas nos passos à frente que ele não consegue dar, na limitação do espaço que ela pode ocupar, na impossibilidade de ir além. Porque ela não pode ver, ela também não pode fazer nada. A libertação depende da decisão e de muito esforço dele mesmo. Às vezes, ela pensa que ele gosta de estar ali, preso às correntes, naquele espaço que ele conhece bem, num espaço em que ela se faz presente quase sempre. É limitado, mas é seguro, é conhecido, é o espaço dele. O mundo é grande e misterioso demais para ser desbravado e ela é só uma mocinha impulsiva, inconstante e apaixonada. Por enquanto, é assim que as coisas funcionam: ele só vai até onde as correntes permitem ir e ela fica circulando pelos espaços vazios ao redor. Vezenquando, ela sente falta de que ele chegue mais perto. Vezenquando, ela se lembra que queria muito visitar outros lugares com ele. Vezenquando, bate o cansaço da espera sem prazo. Vezenquando, ela pensa em não voltar mais ali só para ver se ele se solta das correntes e corre o mundo atrás dela. Porém, para não perder essa companhia que é tão preciosa para ela, ela insiste em voltar, em ficar por ali, pululando ao redor dele. Com as cabeçadas que deu e com as puxadas de tapete que levou, ela aprendeu algumas coisas da vida. Uma delas é que estes encontros do coração são raros e são muitos especiais. Não deveriam ser desperdiçados. Ela sabe que é por isso que insiste. Ela aprendeu também, com a diva Clarice, que quando se faz tudo para que alguém nos ame e não dá certo, o que resta é não fazer mais nada. Ela teme que esse dia chegue, o dia em que ela desistirá da esperança, o dia em que ela não voltará mais. No embate da felicidade presente versus o sofrimento futuro, ela aposta sempre na primeira e vive. Que ela se prolongue no tempo e se faça eterna antes que a indesejada hora da decisão chegue.
 
(Inspirado num texto de Brena Braz)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Cansaço

É que tem dias que a gente se cansa da luta, do combate, de correr tanto, de dar ao máximo e ter a sensação concreta de que não saiu do lugar. Tem dia que mais parece que toda dor, todo esforço foi em vão e que de nada vale insistir, melhor mesmo é sentar com a cabeça entre os joelhos, deixar as lágrimas descerem e o ar voltar a encher os pulmões para só então continuar no percurso. Tem dias que a coragem simplesmente desaparece e não se quer mais enfrentar os leões todos que surgem e aumentam de número como gremlins, bastando a água tocar neles. Tem dias que a gente perde o fôlego e quer desistir, quer deixar pra lá, pensa que nem vale tanto a pena assim. O coração tá cansado de bater acelerado em descompasso e esperar o melhor que está por vir e não chega nunca. As pernas estão cambaleando de tanto correr a maratona até algum lugar para chamar de seu. A vista já embotada de tanto olhar o horizonte sob o sol escaldante dos trópicos e desejar o que está lá. Tem dias que a vontade é de entregar os pontos, jogar a toalha, deixar a correnteza levar o corpo exaurido. Tem dias que simplesmente não se quer mais traçar rotas, bolar planos, descobrir atalhos. Tem dias que não há força nem física nem mental para o embate. Falta ar, falta gás, falta energia, falta ânimo, falta motivação. O que é preciso se ter em mente é que a vitória quase nunca é certa e, muitas vezes, não é consequencia direta do esforço pessoal do combatente. É muito difícil vencer. A vitória pode ser decorrência de um golpe de sorte, de uma força do destino, da vontade soberana de Deus - que nem sempre está em conformidade com a nossa. Mas sem vontade e sem luta, é impossível ganhar a batalha. A derrota, por sua vez, só será honrosa se tiver havido a luta com toda a força que se tem, se houver sangue nos olhos, como diria um professor bem antigo. A gente só tem mesmo a opção da tentativa, do esforço, do pagar para ver e, depois de tudo, é preciso saber a hora certa de parar, de desistir, antes que as vísceras estejam expostas, antes que a dor iminente seja quase a morte em si, parar quando ainda se pode voltar para o começo de pé e a pé.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Por hoje é só

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final... Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.

Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?
Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu.... Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.
 
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora... Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar. Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.

Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais. Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal".
 
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará! Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.

Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. (...)Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.

(Eu já publiquei, e até tentei encontrar o autor, mas não sei)